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Pior que as algemas metálicas, é a prisão das palavras. Pior que a prisão das palavras, a escravidão do silêncio.
Peregrino
Dead Can Dance - Into the Labyrinth - “Yulunga (Spirit Dance)"
Deixai dormir as palavras
Imaculadas e inócuas as palavras dormem no seio do dicionário o sono profundo dos inocentes. Não as acordem. Ouçam simplesmente o seu silêncio: metódico, alfabético, inquietante.
Úbere semeadura esta que tanto medra em bons viveiros como na mais agreste tojeira.
Dentro de um dicionário, do caos ao verbo, cabe todo o Universo: sem eufemismos, sem hipérboles, sem metáforas, sem calendário.
Por vezes, é um bom semáforo o meu dicionário: sabe soltar o verde da esperança, cuidar do amarelo da temperança e parar no vermelho, por segurança.
Mas deveria ter mais sinais o meu dicionário. Deveria acautelar-me, porquanto nele comungam vida e morte, respeito e desprezo, nobreza e preconceito, ciúme e remorso.
Nele crescem lado a lado a iniquidade e a justiça, a bondade e a ferocidade, a irracionalidade e a razão, a fidelidade e a traição.
E, como se tudo isto não bastasse, o verbo e o caos vagueiam perdidos pelo meu dicionário, no particípio e no presente, como sempre, desde o princípio. Tantas são as vezes em que a dúvida se sobrepõe à certeza, o ódio ao amor, a indignidade à nobreza, a cobardia à coragem, a penúria à riqueza, a guerra à paz.
Ventos oscilantes e incertos deambulam pelas dobras vazias do tempo sobre as searas incendiadas que medram no meu dicionário.
Deixai, pois, dormir as palavras! Deixai-as dormir, deixai!