Pyotr Ilyich Tchaikovsky - "A Bela Adormecida" (1889) - frag. "Panorama"

Cavalos da luz e do vento
Dizes-lhe que chame a si o pégaso de asas de oiro e o unicórnio de crinas de alabastro, a que chamas os cavalos da luz e do vento, que, na sua pureza e justiça, e flanqueando todos os abismos, a levarão para bem longe das suas angústias, mágoas e pesares, e a conduzirão ao reino transparente do fantástico, onde abundam o amor, o mel, o leite e o vinho ático da sabedoria e da ternura, e onde não há adversidades, nem desafectos, nem desventuras. Dizes-lhe, também, que coloque no Pégaso e no Unicórnio, respectivamente, uma brida de prata e outra de oiro.
Acrescentas que nesse reino cada vento pertence a um só quadrante e cada quadrante a um só vento, por forma a que ela possa determinar o perfume exacto em cada ângulo. Assim, o aroma doce do zéfiro será diferente do brando perfume do galerno, e a fria fragrância do bóreas distinta dos odores acres e abafados do desértico e arenoso suão ou do austero e sibilante vulturno.
Dizes-lhe, ainda, que não se preocupe em saber qual o caminho a seguir, e que deixe tal tarefa aos cavalos da luz e do vento, pois que eles e só eles conhecem os quadrantes de onde emanam os excelsos aromas das flores e das palavras, que são os que conduzem à serenidade, à paz e ao amor.
Não usará sela, nem estribos, nem botas, nem esporas, nem puxará as bridas de prata e de oiro, porquanto elas são, tão-somente, um adereço exigido pelos cavalos da luz e do vento como preito à dignidade e nobreza dos seus equivalentes terrestres.
Cavalgará de dia o fulgurante unicórnio, e logo que Vénus se acenda no poente, montará o possante pégaso, até que o Sol incendeie de púrpura e violeta os arrebóis da madrugada, altura em que desmontará e subirá de novo para o dorso veludíneo do unicórnio. Assim fará durante três dias e três noites, ao fim dos quais entrará no reino encantado da Música e da Poesia, onde Apolo e Calíope, ao som de sonatas e poemas declamados, passeiam de mãos dadas sob o sol dos tempos, por entre as flores dos cômoros e das alfombras aveludadas do Olimpo.
Peregrino, in "O Templo das Palavras Esquecidas"