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Zbigniew Preisner, música do filme “The Beautiful Country” (2004)



quando estás mais longe, e a névoa sobe veludina e litorânea rente às azulinas escarpas, subo lentamente as escadas do labirinto das nossas memórias e entro no sótão esquecido de todas as reminiscências, utilizando a chave de cristal que um dia recebi da concha aberta da tua mão generosa.

abro então as arcas encouradas uma a uma, aonde furtivas se enclausuraram as nossas alegrias e mágoas, e onde os doces sorrisos se caldearam, nos dedáleos meandros da memória, com a saudade que orvalha e magoa e jubila na dispersão dos dias. na convergência dos segredos, sento-me em seguida numa cadeira de balouço envelhecida, e reabro os livros velhos e leio as cartas antigas, para mim sempre novas, como se pétalas frescas e perfumadas de rosas vermelhas eternamente renovadas.

depois, tu entras pelo silêncio da noite e sentas-te a meu lado, e sorris-me. no ardor das horas mansas que não morrem, ao som de uma qualquer estação de vivaldi, de uma sinfonia de beethoven ou de uma sonata de bach. com perfumes a cravo e magnólia, lentamente rescendendo das arcas de todas as memórias. e ali ficamos de mãos dadas, por dentro do nosso silêncio cíclico, até que jano abra, pela alvorada azul das estrelas, as portas a um novo dia.




Pior que as algemas metálicas, é a prisão das palavras.
Pior que a prisão das palavras, a escravidão do silêncio.
Peregrino


Dead Can Dance - Into the Labyrinth - “Yulunga (Spirit Dance)"




Deixai dormir as palavras

Imaculadas e inócuas
as palavras dormem
no seio do dicionário
o sono profundo dos inocentes.
Não as acordem.
Ouçam simplesmente o seu silêncio:
metódico, alfabético, inquietante.

Úbere semeadura esta
que tanto medra em bons viveiros
como na mais agreste tojeira.

Dentro de um dicionário,
do caos ao verbo,
cabe todo o Universo:
sem eufemismos,
sem hipérboles,
sem metáforas,
sem calendário.

Por vezes, é um bom semáforo
o meu dicionário:
sabe soltar o verde da esperança,
cuidar do amarelo da temperança
e parar no vermelho, por segurança.

Mas deveria ter mais sinais
o meu dicionário.
Deveria acautelar-me,
porquanto nele comungam
vida e morte,
respeito e desprezo,
nobreza e preconceito,
ciúme e remorso.

Nele crescem lado a lado
a iniquidade e a justiça,
a bondade e a ferocidade,
a irracionalidade e a razão,
a fidelidade e a traição.

E, como se tudo isto não bastasse,
o verbo e o caos
vagueiam perdidos pelo meu dicionário,
no particípio e no presente,
como sempre,
desde o princípio.
Tantas são as vezes
em que a dúvida se sobrepõe à certeza,
o ódio ao amor,
a indignidade à nobreza,
a cobardia à coragem,
a penúria à riqueza,
a guerra à paz.

Ventos oscilantes e incertos
deambulam pelas dobras vazias do tempo
sobre as searas incendiadas
que medram no meu dicionário.

Deixai, pois, dormir as palavras!
Deixai-as dormir, deixai!