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Camille Saint-Saens, "Sansão e Dalila", fragm."Bacanal"


Miragem


Escrevia-te até à madrugada das estrelas, quando estas se abeiravam da linha ténue e indefinida que separa a obscuridade nocturna do azul radioso da alvorada.
Essa era a hora em que a tristeza, contornando todos os obstáculos e silêncios, se ausentava. No intervalo ameno do teu sorriso, a noite escorria serena e sem ponteiros, confundindo-se com a respiração tranquila da terra. Só a estrela de alva no mostrador de espelhos da etérea abóbada marcava as horas. E assim, Jano e Cronos, no rigor inflexível que distingue os deuses dos homens, determinavam a abertura das portas a um novo dia.
(…)
Era esse o momento solene e sublime em que os meus olhos, sob o efeito fulgurante do lampadário do Sol, divisavam ao longe somente os contornos do teu torso feminino navegando a bordo do vento morno que soprava do Oriente, como se foras uma peregrina miragem. Mas à medida que te aproximavas, as ondas resplandecentes dos teus cabelos, associadas às linhas bem definidas da tua túnica, moldavam sobre o fundo de areia o teu corpo de deusa-menina, mostrando-me que o fulgor dos teus olhos não era uma alucinação dos meus sentidos. Eras mesmo tu, fina no porte e ágil na cintura, fresca e harmoniosa como sempre, que, trazida pela brisa levantina do meio-dia, flutuavas por entre as sombras vaporosas das palmeiras e dos sicómoros, por dentro do silêncio quente e perfumado das dunas do tempo que tornam imutável a razão das coisas.


Nesses ditosos momentos, imóvel e envolto no teu delicioso perfume, esquecia tudo e todos na distância dolorosa oculta pelo sal das lágrimas, e também de mim me esquecia, como se houvera regressado aos juncos, às pedras polidas e profundas, e aos verdes limos das ribeiras cristalinas da minha infância.



Peregrino, in "O Templo das Palavras Esquecidas"