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A minha praia



A "minha" praia fica não muito longe da Praia de Ingrina (Igrina na "Obra Poética" III, 4ª Edição), da nossa saudosa e amada Sophia de Mello Breyner Andresen, onde "o grito da cigarra ergue a tarde a seu cimo e o perfume do orégão invade a felicidade» e onde se vê «o mar reflectido no seu primeiro espelho."


A minha praia


A minha praia é como uma sala de cinema.
Depois de um filme outro filme vem,
com novos actores e novo tema.

Pelo ângulo raso das horas
chegam à praia as barcas d’ alva.
Têm por âncora os músculos
bronze dos pescadores
e por alavanca os tractores
que sulcam a areia molhada.

Evanescentes torvelinhos de escamas e espuma
reflectem, bordados a oiro e púrpura,
os arrebóis da aurora.
É perpétua a sede da areia,
em cada fluxo mais sequiosa.

Estamos agora
no ângulo recto das horas.

No sol radiante da manhã clara
sobriamente gaiata
mudam-se os actores e as coisas.
É a vez dos nadadores-salvadores,
das bandeiras verdes
e dos primeiros veraneantes.
É tempo de bolas e de baldes de plástico,
de cadeiras de praia, toalhas, pára-ventos
e guarda-sóis de cores berrantes.

No rastilho luminoso de mar e sol
que penetra o azul eterno
vogam gaivotas de dorso cinzento
e peito de alabastro
trazidas pela viração aromada do galerno
que sereno sopra do largo
em perfeito contraste
com os escusados guarda-ventos.

Chegámos à prata do meio-dia.
Há legiões de corpos,
uns bronzeados, outros lácteos,
em descontrolada disputa
por cada palmo do areal.
E há gritos e risos de crianças,
brados de adultos
e pregões de vendedores de gelados.
E há corridas e passeios a pé
e desafinados mergulhos,
e repouso absoluto sobre a areia,
e até se ouve o roncar duma avioneta
sob os céus de Julho.

Diante do olhar tranquilo da cidade
tudo de novo se caldeia
em eternos fluxos e refluxos
que alternam a vazante com a maré cheia.

O bronze, ainda moço, desce do Sol
e em doces afagos amorena os corpos.
Aqui perto, munida de dois baldes de plástico,
uma criança tenta verter todo o mar
para um poço de areia e de cascalho,
diligenciando desvendar um mistério
que ouvira na catequese.
A seu lado, ofegantes,
dois jovens em piruetas de reviralho.
Mais à frente, joga-se volley de praia
e futebol de areia,
que irritam os que descansam
mas enrijecem e bronzeiam os que não se cansam.

Vai alto o Sol resplandecente
na tarde que aquece, imóvel,
sobre o longo declive
que baixa do zénite ao poente.

Numa ignescência
de sol e de sal,
êxtase são os risos e as algas,
enquanto alva a espuma continua
a sua dança de ventre com a areia.
No fresco remanso da brisa,
milhões de estilhas de luz beijam os ares
em eterno jogo de escondidas com o astro-rei.

É esta a praia onde te procuro,
na ausência da babilónia de vozes e de corpos.
É aqui que no breve sussurro do entardecer
um búzio me segredou, na maré nua,
que tu virás um dia pela noitinha,
ao nascer da Lua, pra eu te ver.


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